O contexto ético anterior a Aristóteles e os conceitos-chave da ética aristotélica.
- Fernando Sartorio
- 16 de abr. de 2016
- 7 min de leitura
O intelectualismo extremo de Sócrates
A noção de virtude nasce, provavelmente com os escritos de Platão, o qual além de propor uma concepção ética própria, relata também as principais ideias de seu mestre Sócrates, conhecido por não ter deixado nenhum testemunho escrito. Virtude, portanto, é antes de tudo, uma forma de conhecer como realizar da melhor forma certa atividade. Esse será um ponto criticado por Aristóteles, o qual condena a tendência, especificamente de Sócrates, mas de certo modo também de Platão, de exagerar a importância da razão na ação ou, mais do que isso, de reduzir a ação à obra da razão. Segundo Aristóteles, a doutrina socrática é fruto do esquecimento da parte emocional da alma, que, veremos em seguida, é essencial para a formação e a pratica da virtude. Sócrates não faz distinção alguma entre uma razão teórica e uma razão prática e reduz as funções da razão ao puro conhecimento teórico. Segundo Sócrates para saber se um homem é virtuoso ou vicioso, é necessário e suficiente conhecer quais as crenças do agente. Aristóteles acha que as coisas não são assim e a simples experiência testemunha o contrario. Aristóteles reconhece a importância da razão no momento de direcionar a conduta humana, mas não há como reduzir a ética à pratica da razão. De certa forma, Aristóteles reconhece que Sócrates tinha em parte razão, pois as virtudes implicam certo grau de conhecimento; no entanto, a ética não pode ser reduzida ao conhecimento teórico de normas morais.
Os poetas trágicos e o poder arrastador das emoções
No mundo cultural grego, a época dos poetas trágicos e das tragédias tem uma enorme ressonância do ponto de vista ético. A razão disso é que, com relação à época homérica em que à cena humana é inteiramente dominado pelos deuses, o teatro grego faz a experiência ciência da liberação ante o divino. As personagens dos três poetas trágicos, Ésquilo, Sófocles e Eurípides não são puras marionetes que realizam um plano concebido pelos deuses. No entanto, Édipo segue o destino traçado pelos deuses, um destino que, no fim, revela-se como sua tragédia. O poeta trágico Sófocles, do mesmo século de Sócrates, fornece vários exemplos de comportamento que contradizem a posição de Sócrates. Sófocles está ciente que a ação humana só pode ser compreendida no cruzamento da razão e da emoção, a eliminação de um desses polos leva a total incompreensão do agir. A mesma persuasão manifesta na reflexão de Eurípides. O poeta trágico reconhece a presença de uma componente diferente da razão, a qual interfere fortemente com os mandamentos da razão. Para Eurípides o impulso (thymos), não é uma força que age do exterior do homem, mas é uma parte da alma.
Platão: a harmonia na alma e na cidade
Platão, assim como em seguida Aristóteles, relaciona diretamente a ética com o alcance da felicidade. É na República, contudo, que Platão pela boca de Sócrates, fornece suas melhores argumentações. Nesse diálogo, há algumas mudanças com relação aos diálogos anteriores. O mais importante é que o discurso ético sobre a felicidade seja colocado logo em harmonia com o discurso politico e a felicidade no homem entendido a partir da felicidade na cidade. (CASERTANO, 2011, p. 76) No caso da alma, Platão ressalta que as funções das partes são distintas e as diferentes partes são colocadas em diferentes secções do ser humano: a inteligência (logistikon) na cabeça, a irascibilidade (thumikon) no peito e a concupiscência (epithumetikon) no ventre. É evidente que a razão não é permitida digerir, assim como ao estomago não é permitido pensar. Cada uma das funções mencionadas, tanto na cidade assim como na alma, tem uma função própria, a qual pode ser bem ou mal realizada. Se for bem realizada, será possível falar de “excelência” de uma função. E se uma função é realizada de uma maneira excelente, a parte responsável pela função estará agindo com virtude.
Unidade ou multiplicidades das virtudes?
É evidente, pela tripartição da alma feita por Platão, que o filósofo não compartilha a visão socrática, de acordo com o qual a única função que é responsável pela conduta humana é a razão teórica. No entanto, a multiplicidade não exclui certa das virtudes. Se a virtude moral não é apenas sabedoria, é verdade também que quem possui saber possui as outras virtudes, isto é, coragem, temperança e piedade (Platão, Protágoras, 349c-d). A posição de Platão com relação a como deve ser entendida a verdade da virtude, se como identidade ou fusão das virtudes na sabedoria ou, antes, de uma inseparabilidade das virtudes, foi um assunto que perpassou todas as épocas até os nossos dias. Agora, a doutrina da tripartição da alma torna-se mais clara e orgânica. Embora o logistikon, a parte racional da alma, não seja onipotente em Platão, as outras virtudes sem a razão não constituem “virtude”. Na medida em que uma cidade for temperante, ela será virtuosa, pois a temperança é o respeito que o inferior sente pelo superior (Platão, A República 432a). Uma cidade justa é constituída por cidadãos que exercem suas tarefas próprias e não interferem nas tarefas das outras classes (Platão, A República 434c). Há uma sabedoria técnica que indica aquela forma de conhecimento “que serve para deliberar [...] sobre a cidade inteira, para determinar a maneira de agir que ela deveria adotar para se conduzir da melhor forma tanto em relação a si mesma como em relação às outras cidades” (A, República 428 d). O conhecimento técnico é próprio aos governantes, ao passo que a sabedoria em sentido geral do tempo é a própria de cada um dos componentes da comunidade e será exercida por cada um deles na esfera particular da família e da sociedade.

O conteúdo e a estrutura da Ética à Nicômaco
A EN é um texto formado por 10 livros cuja estrutura é bastante clara. No livro III e IV, Aristóteles fornece uma lista de virtudes morais e explica em que relação cada uma delas está com a mediana, o excesso e o defeito. O livro V é inteiramente dedicado à virtude da justiça. No interior desse livro, o gênero da justiça é desdobrado em espécies. O livro VI é dedicado ao segundo gênero de virtude mencionada no começo do livro II, ou seja, a noção de virtude intelectual. O livro VII é dedicado à noção de acrasia, ou, como é geralmente traduzido, “fraqueza da vontade”; mais do que isso, há uma primeira abordagem na noção de prazer. Os livros VIII e IX são inteiramente à noção de amizade e podem ser considerado um pequeno tratado que pode ser lido independentemente da parte restante da obra. Por fim, o livro X fecha como num círculo virtuoso, com a noção de felicidade e, no começo do livro, ainda, uma pequena alusão ao prazer. Resumindo, o raciocínio de Aristóteles é o seguinte: tratar da felicidade; introduzir as noções essenciais à sua compreensão, isto é, as noções de virtude moral e intelectual; alguns exemplos de virtude moral: o fracasso moral, a amizade e a noção de felicidade.
Alguns conceito-chave da ética aristotélica
A virtude
A virtude é a excelência da tarefa (ergon) própria de um ente: a capacidade que um ente tem de realizar uma função da melhor maneira possível. Logo, não se trata de um termo técnico, como será utilizado nas épocas modernas e contemporâneas, mas de um termo genérico, que pode ser considerado simplesmente sinônimo de excelência.
A doutrina do justo meio
A virtude moral é o justo meio entre o excesso e o defeito de duas emoções. No tocante das paixões e, por consequência, das ações, há excesso, falta e meio termo. O meio termo é o ponto mediano entre dois excessos, os quais indicam precisamente um desequilíbrio entre as emoções. Aristóteles considera esse conceito a essência própria da virtude moral, ou seja, o atributo essencial da virtude moral, aquela característica que propriamente a virtude moral é. É importante acrescentar que o justo meio entre duas emoções extremas não corresponde ao meio termo matemático, como se alguém, vindo de uma falta em direção ao excesso passasse, em certo momento, pelo meio termo. Assim sendo, o filósofo considera mais razoável afirmar que o agente atua tendo como objetivo a necessidade de atingir o meio termo, porém, como um arqueiro mira ao alvo, mas não necessariamente irá atingi-lo. Assim, o agente mira o meio termo, mas não pode ter a certeza do êxito feliz de sua ação.
A noção de escolha deliberada
A noção de deliberação é ligada ao uso da razão na determinação das ações. A função de razão prática é de deliberar, ou seja, de pesar razões rivais e de dar sua preferência a uma mais do que à outra. Isso sem que seja possível fazer demonstrações em âmbito ético. Dito de outra forma, o papel da razão prática é de escolher de forma deliberada, ou seja, tomar uma posição depois de ter ponderado possibilidades alternativas. Um ponto é importante destacar: Aristóteles afirma explicitamente que a razão só delibera sobre os meios que levam ao fim da ação, ao passo que os fins das ações são postos pelo desejo. Ninguém delibera acerca do fato de querer ser feliz ou menos em sua própria vida.
A noção de disposição
Aristóteles afirma que a virtude moral é a disposição de escolher por deliberação. O filósofo deixa claro que a virtude ética ou moral está ligada à parte irracional da alma e essa parte da alma não pode ser ensinada utilizando razões ou demonstrações. A ideia de Aristóteles é que, embora não seja possível elogiar uma pessoa pelo fato de ela sentir certa emoção, é possível, porém, educar o agente a adotar um comportamento bom ou mal frente às emoções. É essa tendência que é dita de “hábito” ou “disposição” e que, quando tornada constante, manifesta-se como se fosse uma segunda natureza, uma natureza moral, além da natureza espontânea própria a cada indivíduo. Aristóteles não cansa de repetir que não é a razão que move o homem, mas a parte emocional da alma, logo, as emoções e o modo de se comportar frente às emoções é de primeira e máxima importância.
Referencia: material disponibilizado na plataforma EAD.
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